domingo, 30 de março de 2014

A PRIVADA COMO DIFERENCIADOR DE SERES

     Foi um troço muito estranho que senti, quando baixaram as correntes e as pessoas todas seguiram rumo ao mesmo objetivo: entrar na barca. Era fato que eram muitas pessoas e que todos estavam cansados. Assim como  também era fato que todos, sem exceção, gostariam de seguir a viagem marítima sentados. Mas veja bem... quando as correntes baixaram, a imagem que se formou adiante era de porteiras se abrindo e bois desgovernados fugindo correndo, fora de controle. 
     Talvez essa imagem tenha se formado na minha cabeça devido ao meu estado momentâneo paradoxal de estar em pleno horário de rush calçando havaianas e ouvindo musica leve - voltando para casa submersa em meu coma musical. Pode ser... à minha volta eu não escutava nada que acontecia senão a suavidade da música que estava ouvindo. Imagino que por isso mesmo me pus atenta a observar como quem vê de longe o desenvolver dos acontecimentos e o comportamento das pessoas. O comportamento humano. E não pude deixar de achar - lá, no meio da manada, sendo empurrada e massacrada enquanto a música me abstraía para qualquer lugar longe dali - que por tão pouco o ser humano se aproxima da condição animal. Por meio de pequenos laços, meras e simples ligações, atitudes, há uma linha tênue entre a condição humana e a animal. Tanto para quem massacra, quanto para quem é massacrado. E parece então até redundante dizer que vivemos 24h por dia (ou pelo menos deveríamos) tentando a todo custo nos afastar dessa condição. O que me fez lembrar um artigo louco sobre psicologia que li tempos atrás que dizia que o que a privada teria sido inventada justamente para afastar o ser humano da condição de animal... veja bem... a privada... serve para que a educação então? A boa índole? A tolerância?
     Ali, esmagada no meio das pessoas junto com idosos, grávidas, crianças assustadas, mantive a calma por conta da música que ouvia... radiohead... radiohead... No entanto, a visualização a qual me era promovida fazia saltar a mente os questionamentos. Fiquei observando, observando, calmamente enquanto tentava respirar,  as pessoas correndo... os olhares repressores... os empurrões... a raiva... a ausência da alma... E pensando que para muitos, o que lhes difere da condição animal infelizmente é apenas a privada mesmo.


(texto originalmente publicado no Coma Anárquico)


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