terça-feira, 9 de setembro de 2014

O BRILHO


Eu não sei exatamente quando foi que ela me pediu um texto. Andava insegura, incerta de seus anseios. Lembro de me pedir um texto como forma de ali se encontrar. Imaginei que seria como um mecanismo para que ela se visse de maneira diferente. Um espelho de bons reflexos.  Sei bem como é... já quis um também....

Escrever não seria problema. Demandaria um pouco de tempo, caneta ou lápis, qualquer pedaço de papel. Não mais que isso. Disse que tudo bem, e confesso que fui para casa tentar. Coloquei-me a postos:  pus-me severamente concentrada. Olhei vezes e mais vezes para o papel, mas nada saía... Eu pensava, pensava, pensava... E nada de substancial nascia. Absolutamente nada de substancial. E não tinha jeito, não podia ser qualquer coisa! Como presentear uma grande amiga, tão presente, com dúzias de palavras mal escritas? Junções formulando conceitos superficiais de sua pessoa? Separações entre o ser e o não ser com vírgulas vazias, dois pontos reticentes, e reticências mil??? Não dava sabe... Não mesmo... guardei tudo chateada, e resolvi esperar. Esperar e deixar ao acaso.

Ocorre que o acaso demorou para caramba... Ou não. Talvez fosse o tempo necessário, para redescobrir nela alguma coisa que não estava lá quando a solicitação foi feita. Porquê na época me parecia que faltava algo que não me instigava a criatividade necessária para uns bons dizeres. Eu às vezes olhava para ela sem que ela percebesse, como quem procura um ponto de partida para começar. E mesmo quando o estalo me ocorreu, demorei um pouco para identificar o que era. O que exatamente havia “startado” o processo. O que mudou afinal para que algo tivesse brilhado para que... ahhhh sim... estava claro agora. Literalmente claro. Era isso. Era o brilho. O brilho,  cara... Na ocasião lhe faltava o brilho! Na verdade, arrisco dizer: esse brilho em tese nem existia!  Não esse... um brilho leve... um brilho alegre, um brilho de mãe. Tão visível que de longe a vejo chegar quando nos encontramos, e ela brilha e sorri já láááá de longe. Vem se destacando, destacando, até chegar pertinho e me responder como vão as coisas. E até transbordar de mais brilho ainda quando lhe pergunto “e como vai o filhotinho???”

E brilha muito, e muito mesmo.... Um brilho sereno, convicto, maduro. Um brilho de quem não precisa de mais nada, porquê acordou um dia, se livrou de tudo de ruim, e do nada se encontrou. Se encontrou, correu para o espelho e pelo visto gostou muito mais do que viu. Porque no final das contas,  espelho nenhum faria ou faz milagre. O espelho só reflete nossa imagem estática acompanhada daquela boa parcela da alma que escorrega pelos poros  e desemboca nos nossos olhos, através do brilho. Sendo que para que isso ocorra, é necessário estar feliz!

 



Para Dídi.

 

Nunca é tarde quando a intenção é boa, e quando aplicamos amor a ação!

 

: )

 

segunda-feira, 7 de abril de 2014

40º GRAUS NO QUARTO, 80º NA ALMA...

      Calor infernal... te resta o que? Um banho... Janta, enrola e vai para o banho. Alguns minutos, muitos até. Apenas com água caindo, pensando em nada, só refrescando. Sai do banho ainda úmida e tudo cheira a refrescância, mentol e ervas. Fazer de uma terça-feira um dia incomum? Claro! Por que não? Rotinas, assim como regras foram feitas para serem quebradas... toma a mão um copo com uns três - largos - dedos de vinho. Não precisa de mais que isso. E para quebrar o silêncio? Hoje blues: Ella Fitzgerald, 1963...e ... ui... maravilha... relaxamento e silêncio mental absoluto. De algemas já nos bastam as do trabalho. Avista a janela e... por que não? O pouco do vinho já se foi... toma à mão agora um cigarro. Vai para a janela e lá fica. É mais fresco. Fuma o cigarro olhando as árvores,as casas, as luzes.
      Intoxicar-se para purificar-se... paradoxo? Talvez. Pecado? Duvido. Não acredito em nenhum. Prefiro, vejamos... pequeno delito? Perfeito! Pequeno delito. Com o som entrando pelos ouvidos, pelo corpo... baixo...de 1963. Excentricidade? Nem tanto. À meia-luz  tudo é tão mais suave... Só um momento de abstração de si mesma. Numa terça-feira com ar de sábado, em agradável própria companhia. Rompendo pequenas regras, proporcionando-se simples prazeres. Da porta para dentro é  o seu mundo. E no seu mundo você faz o que quer de si. O que quero? Por hora, só sair da rotina. Borboleteando e cantarolando em poucos trajes levemente...


Texto originalmente publicado no Coma Anárquico.

domingo, 30 de março de 2014

A PRIVADA COMO DIFERENCIADOR DE SERES

     Foi um troço muito estranho que senti, quando baixaram as correntes e as pessoas todas seguiram rumo ao mesmo objetivo: entrar na barca. Era fato que eram muitas pessoas e que todos estavam cansados. Assim como  também era fato que todos, sem exceção, gostariam de seguir a viagem marítima sentados. Mas veja bem... quando as correntes baixaram, a imagem que se formou adiante era de porteiras se abrindo e bois desgovernados fugindo correndo, fora de controle. 
     Talvez essa imagem tenha se formado na minha cabeça devido ao meu estado momentâneo paradoxal de estar em pleno horário de rush calçando havaianas e ouvindo musica leve - voltando para casa submersa em meu coma musical. Pode ser... à minha volta eu não escutava nada que acontecia senão a suavidade da música que estava ouvindo. Imagino que por isso mesmo me pus atenta a observar como quem vê de longe o desenvolver dos acontecimentos e o comportamento das pessoas. O comportamento humano. E não pude deixar de achar - lá, no meio da manada, sendo empurrada e massacrada enquanto a música me abstraía para qualquer lugar longe dali - que por tão pouco o ser humano se aproxima da condição animal. Por meio de pequenos laços, meras e simples ligações, atitudes, há uma linha tênue entre a condição humana e a animal. Tanto para quem massacra, quanto para quem é massacrado. E parece então até redundante dizer que vivemos 24h por dia (ou pelo menos deveríamos) tentando a todo custo nos afastar dessa condição. O que me fez lembrar um artigo louco sobre psicologia que li tempos atrás que dizia que o que a privada teria sido inventada justamente para afastar o ser humano da condição de animal... veja bem... a privada... serve para que a educação então? A boa índole? A tolerância?
     Ali, esmagada no meio das pessoas junto com idosos, grávidas, crianças assustadas, mantive a calma por conta da música que ouvia... radiohead... radiohead... No entanto, a visualização a qual me era promovida fazia saltar a mente os questionamentos. Fiquei observando, observando, calmamente enquanto tentava respirar,  as pessoas correndo... os olhares repressores... os empurrões... a raiva... a ausência da alma... E pensando que para muitos, o que lhes difere da condição animal infelizmente é apenas a privada mesmo.


(texto originalmente publicado no Coma Anárquico)


domingo, 23 de março de 2014

SORRIA - VOCÊ PODERIA ESTAR SENDO FILMADO

      Estava no trabalho quando me ocorreu a velha idéia novamente. Na verdade, vinha de algo tolo que estava executando, e do pensamento de sair do corpo e olhar-me de longe executando o tal algo. Ver-se fazendo aquilo. Olhar-se de fora, sendo você mesmo uma terceira pessoa a observar a si próprio, a observar a sua interação com as coisas ao redor e com os demais. A velha vontade de saber que percepção tem uma outra pessoa de você. Como interajo? Como sou executando uma ou outra tarefa? Como sou realizando algo tolo? E algo bom?
      Estamos sempre tão embebidos, embriagados de nós próprios e nossos anseios e inquietudes que sequer percebemos o que passamos, como nos integramos e se de fato o fazemos como deveríamos.  A idéia de ver-se fora do corpo me fez lembrar de quando criança perguntar em casa o que era consciência. Como o conceito (assim como para toda criança) me soava demasiadamente complexo, simplifiquei imaginando que minha consciência era eu, ou uma versão idêntica a mim, vestindo sempre shortinho e blusinha de criança e usando... pulseiras de plástico rosas. Minha consciência tinha pulseiras que me davam aquela inocente inveja infantil. E ao mesmo tempo ela me lembrava sempre que a inveja era algo ruim de se sentir. Tentava me convencer daquilo. Blah! Para ela era fácil falar, afinal ela tinha as pulseiras! Mas de fato, a minha consciência (na minha concepção infantil) era mais forte e mais decidida do que eu. Sempre atenta, tinha para todas as situações algo a dizer de forma enérgica, agitando as pulseiras que eu queria usar, e me repreendendo quando necessário. Era como estar fora do corpo e me ver como quem assiste. Embora, nessa minha concepção infantil, minha consciência fosse tão diferente de mim. Talvez por querer eu, como toda criança, fazer coisas que ela sempre (sacudindo as pulseiras) repreendia. Talvez... O fato é que conforme os anos foram passando, começamos a concordar mais, eu e minha consciência. Até que as pulseiras se foram, e não sei agora que tipo de jóias ou bijuterias ela usa. Mas ficou a velha vontade de me ver de fora de novo. Pôr uma câmera escondida e gravar a minha participação em tal evento, minha atitude em uma ou outra ocasião, meu sono, meu banho... e avaliar descobrindo se falo dormindo, se participo do mundo como deveria, se cumpro tarefas como penso que cumpro, se executo as atividades como imagino que estou executando, se gesticulo mais ou menos quando falo, se falo alto, se rio demais... Qual imagem passamos? Que cara damos aos eventos? Quem somos nós quando nos vemos de fora? Somos vistos de fora da mesma forma que nos guardamos e nos sentimos por dentro?
      Fico me perguntando acima de tudo se uma forma tivesse minha consciência hoje - como na minha imagem personificada da infância - que tipo de visual teria. Penso, penso... Imagino, imagino... e de fato, a única conclusão que chego é que na certa não usaria mais pulseiras de plástico rosas.

(texto originalmente publicado no Coma Anárquico)

domingo, 16 de março de 2014

DA SUBMERSÃO À CALMA

Afunde seu corpo todo na água fria em um dia quente.
Mantenha apenas a cabeça para fora
De forma confortável.
Encare um ponto fixo, onde não houver razão ou ponto algum.
E faça, de verdade,  uma pausa para respirar...
Quando tudo parecer te engolir ou massacrar,
Faça simplesmente uma pausa para respirar...
Mas não inspire como se houvesse perdido o fôlego,
Ou expire como se libertasse verdadeiros demônios...
Não...
Desarme-se das armaduras incômodas e quentes
E apenas, respire...
Vagarosamente...
E fale consigo mesmo, na língua do silêncio sobre coisa alguma.
Não se pergunte.
Não se responda.
Não se olhe.
Não se gaste.
Respire...
E sinta a água que te bate no corpo,
O vento que te bate nos cabelos,
O sopro que te bate no peito,
E a tranquilidade que te bate na alma...
E que fala contigo bem baixo: "_se estique."
E te pede por vezes, quase sempre: "_se ajeite."
E te ordena com força, imponente: "_se acalme."
Se acalme, e respire.
Vagarosamente...
E saia da água agora,  pois já é tarde.


quarta-feira, 6 de novembro de 2013

No silêncio


                 A maior parte das vezes que chego em casa – senão todas – opto (quase sempre), pelo silêncio. Seja lá de onde quer que tenha vindo, o que quer que tenha feito, há algo no mundo que me causa um outro algo enlouquecedor que só passa assim: no silêncio. Na ausência de vozes, de sons. De música, de gritos, de fúria, de opiniões. No completo, acolhedor, e absoluto silêncio. Não só o da porta do banheiro trancada e do contentamento por enganadores poucos minutos de paz. Não só o da cama ao deitar, o da tv enquanto não é ligada, ou o da pausa entre uma música e outra que toca no celular sem ser ouvida com atenção. Mas aquele realmente grandioso. Imponente. Ensurdecedor. Aquele que para ao seu lado lenta e calmamente e te diz com voz mansa: “_somos só eu e você aqui, agora se ouça.” Se ouça...

                Você para então, e pensa. E paradoxalmente ou não, percebe que sem o silêncio é impossível se ouvir. Que mesmo no silêncio você precisa forçar, e forçar... e que às vezes pode até conseguir se ouvir um pouco. Mas nem sempre consegue se encontrar. Que sua voz interna vem e ecoa de onde não se vê. De onde você não sabe a localização. Vem da direita? Da esquerda? Vem mais da frente? Vem mais de trás? Você busca... busca... Até que o primeiro ruído apareça no ambiente, e o silêncio te diga: “_ seu tempo acabou, volto outra hora.” E então quando estava quase e encontrando com ajuda da bússola do silêncio, você se perde outra vez... se perde mas pelo menos vê claramente que em meio aos barulhos da vida é realmente impossível se ouvir ou se encontrar.

sábado, 16 de março de 2013

ANGUSTIANTE RECOMEÇO SEMANAL

Das espectativas para uma segunda-feira pode-se dizer categoricamente que o que se tira em geral é uma espécie de  inquietude que rasga por dentro. A sensação da volta a rotina que te faz ser cuspido da cama num horário que não lhe é o natural, para efetuar tarefas que muitas vezes não lhe são agradáveis, conviver com pessoas que ocasionalmente não lhe são simpáticas... A violência diária a qual somos sujeitados já no despertar matinal.  A tortura cotidiana que te massacra aos poucos, te tira a leveza e te faz questionar-se exaustivamente. A necessidade de adaptar-se, adequar-se ao meio, podar-se em função de um coletivo ao qual internamente nem sempre nos consideramos sequer parte complementar. Mas que ainda assim, na busca pela constante adaptação, nos forçamos a nos regrar. Nós próprios, carrascos de nós mesmos. Nos violentando em prol do "todo", quase que consenso universal. Sendo eventualmente ou geralmente regra geral. Nos mutilando mentalmente... mesmo que em alma jamais nos dobremos.
Afinal, há que se ter ao menos um plano onde possamos nos considerar intactos.